11 de setembro, 23 anos de uma distopia não ficcional

Uma das maiores dissonâncias temporais do nosso século é a data 11/09, que marca o dia do
atentado às Torres Gêmeas em Nova York. Grande parte dos adultos de hoje nem sequer era
nascida nesse dia; outros eram recém-nascidos, e alguns, como eu, eram crianças (tinha 7
anos). Por se tratar de um evento histórico de grande relevância, vez ou outra ele é assunto em
escolas, universidades e jornais. Mas a forma como um Zoomer e um Millennial entendem o
11/09 é completamente diferente. Em termos de comparação, é como um noventista
conversando com seu pai sobre o golpe de 64 ou com seu avô sobre o fim da Segunda Guerra,
a morte de JFK e a ida do homem à Lua.

O que mais me intriga (não é excesso de trigo) é a forma como as escolas e universidades
negligenciam esse evento na história moderna, dando, às vezes, pouca ou nenhuma ênfase em
aulas de história. Os atentados de 11/09 não só mudaram a geopolítica e a cultura, mas
também o comportamento e até mesmo as fronteiras. Desde o acordo entre os EUA e a China
pelos territórios orientais, que culminou na entrada da China na OCDE e resultou em acordos
econômicos em larga escala para o país, colocando-o em direta rivalidade com os EUA — sendo
a maior parte desses acordos com os próprios EUA — até mesmo o famoso “boom das
commodities” no Brasil, que é resultado direto dessa entrada da China na OCDE e desse acordo
entre ela e os EUA.

Podemos mencionar também a criação do BRICS, justamente pelo crescimento exponencial
desses países em desenvolvimento, ou a redução gigantesca da taxa de juros norte-americana
feita pelo FED para enfrentar a crise econômica gerada pelos ataques. Essa redução gerou um
otimismo artificial nos bancos norte-americanos e criou, posteriormente, a maior bolha
imobiliária da história, que estourou em 2008 com a crise do subprime, levando o banco
Lehman Brothers à falência. Isso, por consequência, gerou uma crise absurda na Grécia, que foi
salva basicamente pelo FMI, que, como garantia, exigiu a adoção de políticas de austeridade
por parte do governo grego, gerando protestos violentos. Assim como a crise do subprime
também gerou fortes protestos no coração da economia global, estamos falando do “Occupy
Wall Street (OWS)”, um movimento gerado pela revolta da população com a influência de
mega corporações na política norte-americana. Esses protestos se deram muito por conta do
altíssimo número de pessoas que ficaram sem suas casas devido ao fisco hipotecário e outras
questões políticas e econômicas. Esses protestos, por sua vez, influenciaram outros
movimentos mundo afora.

Uma grande marca desse período, sem dúvidas, foi a máscara do V de Vingança, criada pelo
desenhista britânico David Lloyd para a história icônica de Alan Moore, e que foi amplamente
usada por jovens ao redor do mundo. Nesse mesmo período, ocorria a Primavera Árabe no
Oriente Médio, que, dadas as devidas proporções e contextos culturais e políticos, também
buscava reformas políticas. Esse período foi um dos mais violentos para a região e foi marcado
por fortes repressões contra civis. Claro que não podemos esquecer da pior decisão de Estado
dos EUA desde a Guerra do Vietnã, que foi a guerra ao terror, gerando um custo imensurável
aos cofres públicos, uma dívida impagável, milhares de mortes de militares norte-americanos e
ocupações ilegais de territórios do Oriente Médio.

Isso, em grande parte, fazia parte da pasta “Patriot Act”, que foi uma lei aprovada com
urgência em resposta aos ataques. Essa lei, além de estabelecer uma série de medidas de
segurança interna, seja no controle de entrada de imigrantes ou no controle das comunicações,
também foi responsável pelo envio de tropas para o Oriente Médio. Em 2003, o então vicepresidente dos EUA, Dick Cheney, que era o verdadeiro nome por trás de todas as ações
executivas de Bush, começou uma série de alegações ostensivas contra Saddam Hussein, que
davam conta de que o Iraque possuía armas de destruição em massa. Tais alegações foram tão
difundidas pela mídia mainstream que tiveram suma importância na invasão do país por tropas
norte-americanas. Claro que todas essas invasões não geravam apenas prejuízos aos cofres
públicos norte-americanos, mas também lucros, posições de poder e até mesmo liderança,
como foi com a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), tudo na força e com
o bom e velho imperialismo regido pelo destino manifesto.

Voltando ao “Occupy Wall Street”, aqui no Brasil também tivemos nossos protestos, que não só
foram influenciados pelo “Occupy Wall Street”, como também pelo “Patriot Act”. Explico: as
famosas “Jornadas de Junho”, que aqui no Brasil começaram pelo aumento de tarifas, logo
tomaram corpo e viraram protestos pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. A tal
“marolinha”, naquele momento, já era uma enchente, e uma série de denúncias e escândalos
de corrupção estouravam dia após dia nas telas do Jornal Nacional, com uma foto de um
esgoto jorrando dinheiro atrás. Quem diria que a antiga Globo fascista hoje seria a Globo lixo,
né? Como diria Mano Brown: “A confiança é uma mulher ingrata, que te beija, te abraça, te
rouba e te mata.”

Mas o que não podemos ignorar são os vazamentos de documentos confidenciais da CIA e do
FBI, que mostravam que os EUA estavam utilizando o Patriot Act para espionar o estado
brasileiro, conseguindo informações confidenciais do governo Lula e Dilma que foram utilizadas
como evidências para investigações de corrupção. E aqui é preciso contextualizar o amiguinho
lavajatista. Por mais positivo que a Operação Lava Jato e o processo de impeachment possam
ter sido, um Estado espionando outro e usando isso para desestabilizar um país é algo
gravíssimo e abre brechas para coisas piores.

Esses protestos, somados à Operação Lava Jato e à queda de Dilma Rousseff, abriram uma
lacuna na política brasileira que encontrava-se vazia. O povo não queria mais saber de
governos de esquerda ou do PT; os partidos de centro, em última instância, todos atendiam ao
PT. Foi aí que uma figura pitoresca da política nacional, reconhecida por sua militância por
pautas de costumes, entrou em cena: Jair Messias Bolsonaro. E foi aí que uma nova ideologia
surgia no Brasil, o “Bolsonarismo”, uma junção de conservadorismo e reformismo centralizado
na figura do ex-capitão Jair Bolsonaro.

Mas o que o Brasil passaria com o Bolsonarismo, os EUA já haviam experimentado com o
“Trumpismo”. Aqui, o lema de Bolsonaro era “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, e lá
era “Make America Great Again”, ambos movimentos políticos influenciados por uma década
progressista e corrupta. Mas tudo isso sofreu uma mudança com a pandemia de 2020,
trazendo a eleição de Joe Biden nos EUA e sua catastrófica retirada das tropas norteamericanas do Afeganistão. Aqui no Brasil, Lula, condenado por corrupção, retorna depois de
mais de dez anos à presidência.

A verdade é que esse evento histórico redefiniu o século XXI. Seriam os ataques uma
implementação do “Project for the New American Century (PNAC)” pela deep state? Ou seria
apenas, como descreveu Lawrence Wright em “The Looming Tower”, uma consequência de
quase cem anos de presença norte-americana no Oriente Médio? O fato é que, em escalas
históricas, o atentado ainda é apenas um bebê, e muitos documentos encontram-se em sigilo,
muitos deles oriundos da rivalidade da CIA, muito bem ilustrada em “The Looming Tower”
(Lawrence Wright) e em “The 9/11 Commission Report: Final Report of the National
Commission on Terrorist Attacks Upon the United States” (Philip Shenon).

E por falar em “The Looming Tower”, é interessante analisar o “cinema pós-11 de setembro”,
que é recheado de obras que abordam não só o dia fatídico em si, mas também suas
consequências e motivações. Para abrir esse papo, começo falando justamente dela, uma das
melhores séries já produzidas pelo Hulu. A série é inspirada e baseada no livro de mesmo
título, “The Looming Tower”, de Lawrence Wright. Aqui no Brasil, sua tradução ficou como “O
Vulto das Torres”, mas para quem leu o livro, sabe que, na verdade, a série é um recorte da
obra, mais especificamente a metade do livro em que acompanhamos a figura de John O’Neill
(Jeff Daniels), um mulherengo agente do FBI que se vê envolvido em um embate com seus
colegas da CIA. Esse embate ocorre por uma rivalidade puramente egocêntrica, e através do
olhar deste homem errante, vemos o prenúncio de uma tragédia anunciada.

Se você, como eu, achou a atuação dos bombeiros e policiais interessante, pode tanto assistir
ao filme “World Trade Center”, dirigido por Oliver Stone, quanto mergulhar nas histórias em
quadrinhos, tanto da DC quanto da Marvel, que à época lançaram uma série de histórias em
homenagem às vítimas e aos militares que deram suas vidas para salvar civis em apuros. Talvez
a história mais emblemática seja “Homem-Aranha: Em Memória”, uma HQ que aqui no Brasil
saiu um ano após os atentados, escrita na icônica fase do grande J. Michael Straczynski e desenhada
pelo outro gênio John Romita Jr. Mas um outro herói da Casa das Ideias também recebeu uma
bela história inspirada pelo atentado. Essa história é “Capitão América – O Novo Pacto”, escrita
por John Ney Rieber e desenhada pelo recém-falecido John Cassaday. Nessa história, vemos o
Capitão, símbolo máximo da liberdade e do American Way, sendo confrontado por suas
crenças e ideais.

“The Covenant” (2023), dirigido por Guy Ritchie, é um thriller de ação que segue o sargento
John Kinley (Jake Gyllenhaal) e seu intérprete afegão, Ahmed (Dar Salim). Após uma missão
perigosa no Afeganistão, Kinley e sua unidade enfrentam uma emboscada e, para sobreviver,
contam com a ajuda crucial de Ahmed. No entanto, após o resgate, Kinley é forçado a deixar
Ahmed para trás quando sua missão falha. Quando Kinley descobre que Ahmed e sua família
estão em perigo devido à sua ajuda, ele faz um pacto para salvar a vida de Ahmed e garantir
sua segurança, enfrentando perigos e obstáculos para cumprir sua promessa. O filme destaca
temas de lealdade, coragem e sacrifício.

Agora, fugindo dessa abordagem mais militar, vou trazer alguns filmes que nos fazem pensar e
enxergar o 11 de setembro por outras perspectivas. “Lembranças” (Remember Me, 2010),
estrelado por Robert Pattinson, é um drama romântico que segue Tyler Hawkins (Pattinson),
um jovem que enfrenta dificuldades pessoais e familiares em Nova York. Após um encontro
casual com a enigmática Ally (Emilie de Ravin), Tyler começa a se abrir para novas
possibilidades e a reconectar-se com sua própria vida. O filme explora temas de amor, perda e
redenção, culminando em uma reviravolta emocional impactante ligada aos eventos de 11 de
setembro. Já em “Remember Me” (2020), estrelado por Adam Sandler, vemos uma comédia
dramática dirigida por Michael Tiddes, que segue Henry (Sandler), um empresário bemsucedido que enfrenta um desafio inesperado quando sua memória começa a falhar. Em busca
de respostas e uma forma de recuperar suas memórias perdidas, Henry se envolve em
situações inesperadas e divertidas. O filme explora temas de identidade, perda e a importância
das memórias na construção da nossa vida.

Agora, em “Yasmin: Uma Mulher, Duas Vidas” (originalmente “Yasmin”, 2004), temos um
drama britânico dirigido por Kenneth Glenaan, que acompanha Yasmin (Archie Madekwe), uma
mulher muçulmana que vive na Inglaterra e enfrenta um conflito interno entre suas tradições
culturais e a vida moderna ocidental. Após o 11 de setembro, Yasmin se vê lutando com a
pressão de se adaptar à sociedade ao seu redor, enquanto lida com as expectativas familiares e
a crescente radicalização. A história explora temas de identidade, integração e o impacto do
extremismo na vida pessoal.

Já que estamos abordando obras que lidam com as consequências do 11 de setembro por
diversas perspectivas, não podemos esquecer de “O Relatório” (The Report, 2019), estrelado
por Adam Driver. É um drama baseado em fatos reais dirigido por Scott Z. Burns. O filme segue
Daniel Jones (Driver), um investigador que trabalha para o Senado dos EUA e lidera uma
investigação detalhada sobre o programa de tortura da CIA após os ataques de 11 de
setembro. Através de sua busca incansável por justiça, Jones revela a extensão das práticas de
tortura e enfrenta desafios políticos e pessoais ao tentar expor a verdade. O filme aborda
temas de ética, transparência e a luta contra o abuso de poder. E claro, não podemos esquecer
do aclamado “Guerra ao Terror” (The Hurt Locker, 2008), um suspense militar dirigido por
Kathryn Bigelow. O filme segue uma equipe de desarme de bombas no Iraque, focando no
sargento William James (Jeremy Renner), cuja abordagem ousada e perigosa ao desarmamento
de explosivos coloca sua vida e a de seus colegas em constante risco. A trama explora o
impacto psicológico da guerra e a obsessão por perigo que acompanha o trabalho de James.
Outro aclamado também é “A Hora Mais Escura” (Zero Dark Thirty, 2012), dirigido por Kathryn
Bigelow, que retrata a busca de uma década para capturar e matar Osama bin Laden após os
ataques de 11 de setembro. Foca na analista da CIA, Maya (Jessica Chastain), que desempenha
um papel crucial na investigação que leva à operação militar que resulta na morte de bin Laden
em 2011. A trama explora temas de persistência, estratégias de inteligência e as implicações
éticas da guerra contra o terrorismo.

Para finalizar, deixo a dica de “Quanto Vale?” (Worth, 2020), dirigido por Ken Feinberg. É um
drama baseado em fatos reais que segue o trabalho de Feinberg (interpretado por Michael
Keaton) como advogado responsável por liderar a Comissão de Compensação às Vítimas do 11
de Setembro. O filme explora as dificuldades e dilemas éticos enfrentados ao tentar calcular
compensações justas para as famílias das vítimas do ataque.

Além do tema “11 de setembro”, vale também conferir os filmes “A Grande Aposta”, “Não Vai
Ter Golpe”, “Snowden” e “Nomadland”, que falam, de certa forma, sobre os assuntos citados
neste texto. É inquestionável que o século XXI foi moldado a partir desse ataque, às vezes nem
sequer nos damos conta. O intuito desse texto é trazer a reflexão de que a História é uma
ferramenta que estuda o passado para entender o presente e planejar o futuro. Para analisá-la,
é preciso cautela e senso crítico. Tudo o que vivemos hoje é consequência de atitudes
negativas que tomamos no passado, e isso serve, inclusive, como um mantra individual.
Negligenciar isso é se auto-condenar ao eterno fracasso. Se hoje as democracias estão em
vertigem, abarrotadas por políticos populistas de extrema-direita ou políticos corruptos,
autoritários e incompetentes de extrema-esquerda, é basicamente porque, em um passado
distante ou não, optamos por entregar o projeto de país e futuro nas mãos de políticos, e não
em nossas próprias mãos, pois a sociedade é regida e construída por pessoas e não por uma
entidade ancorada em um contrato social abstrato que eu nunca assinei.

Agradeço pela leitura!
(Danilo Charlie)